Estratos do livro Estarei Mesmo Doente? A doença como saúde, Presença, 1999
(Livro a ser reeditado em 2016)
São tantos os casos de Diagnósticos destrutivos que não é tarefa fácil escolher um.
Este, que aqui apresento, vai ser difícil esquecer.
Chegou ao meu consultório o João, um rapaz de 7 anos, acompanhado dos pais. A criança tinha dificuldades escolares, que preocupavam os pais.
O que não posso esquecer é o dossier de exames, testes, diagnósticos que os pais me puseram em cima da mesa, que devia pesar uns bons quilos. Psicólogos, neurologistas, psicólogos da escola, neuro-psiquiatras, médico de família, o dossier era tão imponente na minha mesa (como na cabeça dos pais), que a criança tinha desaparecido por detrás deste monte de informações.
Na verdade, tinha sido diagnosticado falta de atenção, falta de concentração e dificuldade de leitura. Para os pais, o dossier tinha feito eclipsar a criança. Ao longo da consulta, o João já não era uma criança, mas, apenas, um monte de problemas, isto é, um monte de diagnósticos.
O João não percebia nada de que era acusado, sobretudo da sua falta de atenção e de concentração. A criança como criança- que gosta de brincar e de viver- já não existia aos olhos dos pais. Diria, até, que o nome da criança já não era João, mas “Déficit de atenção e falta de concentração”.
Quando lhe perguntei se sabia explicar o sentido destas palavras, ele disse ignorar o sentido das palavras “atenção “ e “concentração”. No entanto, repetia o que ouvia dos adultos: “não sou atento, não me consigo concentrar”.
Decidi pô-lo a desenhar. Propus-lhe desenhar a família. Enquanto desenhava, eu dizia aos pais: “O João está muito concentrado quando desenha a família. Nunca vi um rapaz tão concentrado a desenhar. João, realmente tu és muito concentrado quando desenhas, nunca tinha visto um rapaz como tu, tão atento. Sabes que nós estamos aqui, eu, e os teus pais, mas tu continuas, muito concentrado. Parabéns. Olha como os teus pais estão admirados de te ver tão concentrado …”
Desta forma, os pais puderam testemunhar que, afinal, tinham um filho capaz de se concentrar, mesmo com um enorme dossier a dizer o contrário.