Hipoglicémia e uma visão repugnante

27 Agosto 2013
 Agosto 27, 2013

É sábado, a tarde chega ao fim e pelas 20h toca o telefone. É o Pedro, um rapaz de vinte e cinco anos, meu paciente desde os dezasseis. Está bastante assustado com uns sintomas que o obrigaram a ficar de cama desde há dois dias e quer saber a minha opinião. O que aconteceu?

Na quinta-feira, no final do trabalho, começou a sentir-se enjoado e sem força. Atordoado, tinha vontade de vomitar e uma dor no fundo da barriga obrigava-o a ir à casa de banho a toda a hora. Sem forças para andar, tinha a impressão de poder desmaiar a qualquer momento. O corpo arrefeceu e, ao mesmo tempo, apareceram-lhe arrepios de febre. Um grande cansaço, uma enorme vontade de dormir obrigou-o a deitar-se. A noite foi extremamente agitada, entrecortada de sonhos, diarreias e vómitos. Ficou na cama até sábado mas sentindo-se ainda muito debilitado, telefonou-me para saber o que podia ter provocado aqueles sintomas.

Depois de ouvir esta história, pergunto-lhe sobre alguma situação desagradável que o tivesse perturbado recentemente. Diz que está tudo bem quer a nível do trabalho quer relacional e não vê nada que o tenha incomodado! Insisto um pouco, mas a resposta é sempre a mesma: “Não, não vejo nada que me tenha perturbado”. No entanto, alguns sintomas precisos- falta de força, enjoos, dores de cabeça- sugerem uma pista: algo que tenha a ver com uma situação em que esteve presente a sensação de repugnância. Digo isto ao Pedro, de forma a tentar esta pista mas o resultado é o mesmo. Diz-me que não consegue lembrar-se de nada que tenha a ver com essa sensação de repugnância. Depois de mais umas trocas de palavras, desliga. Uma meia-hora depois, o telefone toca de novo. Pedro, que depois de desligar o telefone ficou a pensar nas minhas palavras, lembrou-se imediatamente de um episódio bastante perturbador ocorrido na quinta-feira de manhã no trabalho.

images.jpg cara e repugnancia
Estava a fazer de guia numa feira de exposições e teve de acompanhar uma senhora. “Reparo”, diz-me, “ao aproximar-me, que ela tinha feito uma operação plástica no rosto; não sei explicar a sensação que tive mas, de repente, o rosto dela lembrava-me uma caveira. Foi uma sensação arrepiante, uma visão que me horrorizou”. Profundamente destabilizado, fez todos os esforços possíveis para não olhar, evitar o contacto com a mulher durante as horas de trabalho, mas aquela presença andava sempre por ali, como uma imagem horrenda à volta dele. Finalmente chega ao fim do dia. Regressa a Lisboa com um colega e passados uns minutos de entrar no carro, começa a sentir um mal-estar. Entretanto vai passar uma hora ao ginásio e esquece o trabalho, o rosto, a caveira. No caminho de regresso a casa, os sintomas aparecem.

Como e porquê?

Peguemos numa imagem: o Pedro gastou uma quantidade X de energia para afastar a imagem repelente. Os sintomas que aparecem traduzem esse mesmo gasto, agora em sintomas vários. Porque desde o momento em que foi confrontado no trabalho com a imagem horripilante, ele lutou para recalcar o problema. O ginásio ajudou-o nessa tarefa, ao distanciá-lo aparentemente da imagem perturbadora. Mas ela está lá, tanto mais forte quanto inconsciente, apesar de a ter apagado da consciência, apesar de a ter recalcado. O acontecimento é , então, gerido a nível inconsciente. Os sintomas que surgem ao chegar a casa são proporcionais à perturbação recalcada durante o trabalho (valor X).

Que significado têm estes sintomas? Relembremos que o Pedro fez tudo para não ver um rosto que lhe metia nojo, repugnância. Durante um dia ele fez tudo o que pôde para evitar que o seu olhar se encontrasse com esse rosto.
Perante esta situação, o inconsciente, isto é, o cérebro estratégico ( cf. site e livro O que a doença diz de mim) lança uma resposta: a hipoglicémia, isto é, falta de açúcar no sangue. Ao provocar, imediatamente, uma falta de força ( que pode levar ao desmaio) ela evita que ele entre em contacto com a imagem repugnante. Sem força, o Pedro já não pode enfrentar o insuportável, como aconteceu durante as oito horas de trabalho, em que se viu obrigado a enfrentar o que não queria.
A hipoglicémia separa-o do problema: como um carro sem gasolina, um corpo sem açúcar vai abaixo, “não pega”. Trata-se, como vemos, de uma solução, simbólica (ver princípios da TSB no site). Sem carburante, já não é possível enfrentar a imagem repelente associada à morte que o assombrou durante um dia inteiro.

Ao passar à fase de verbalização, quando no segundo telefonema percebeu a origem do problema, o conflito sai da fase inconsciente. Com a verbalização da sua percepção emotiva recalcada, os sintomas desaparecem rapidamente.

 

DESAFIO AO LEITOR CONHECEDOR DA TSB:

O Pedro apresentou estes sintomas.

Por que razão o Luís, que trabalha com ele, que esteve também com a “mulher da plástica”, não teve nada?

Comments are closed.