O joelho de Jean-Pierre Papin

4 Fevereiro 2015
 Fevereiro 4, 2015
Categoria ARTIGOS
1. Problemas de joelhos: apenas um problema físico?

Hoje muitos já não se lembrarão de Jean-Pierre Papin. No entanto, no meio futebolístico, o ex-artilheiro francês número 9, vencedor da Bola de Ouro em 1990, protagonista do record de 30 golos no campeonato francês de 1991, continua a ser uma referência popular do futebol gaulês.

Após uma fase de glória no Marselha (de 1986 a 1992), o jogador foi contratado pelo AC Milão, onde conquistou dois Scudetto seguidos. Em 1994, foi para o Bayern de Munique onde sentiu grandes dificuldades para se afirmar como avançado. Curiosamente, foi nesta fase do Bayern de Munique, que os problemas físicos de J.P.Papin começaram: foi operado a um joelho e sofreu, ao mesmo tempo, uma descalcificação que atrasou o processo de recuperação. Um dos médicos que o assistiu referiu, na altura, que a descalcificação teria provavelmente uma origem psicológica.

2. O caso de J.P.Papin à luz da TSB

Partindo do princípio que os sintomas resultam duma gestão cerebral, o que nos interessa averiguar são as razões – os factores psico-cerebrais – que terão provocado os problemas de saúde de J.P. Papin (caso que poderá ajudar a explicar outros casos de lesões e acidentes no meio desportivo).

O que verificamos? J.P.Papin foi obrigado, por vários vezes, a ficar no banco de reserva, situação humilhante para um jogador que consagra a sua vida à alta competição mas que deve submeter-se às decisões do treinador. “Eu não valho nada, eu não presto, no banco não sirvo para nada, para quê correr se eu não jogo e não marco golos … ”, eis alguns dos desabafos de desvalorização que ele deve ter proferido, senão publicamente, pelo menos no seu íntimo. Incapaz ou impedido de mostrar o seu valor em campo – correr, receber e dar a bola, marcar golos, ganhar, ajudar a equipa – o jogador sente-se inútil e desmotiva-se.

Quando o tempo passado no banco de suplentes se prolonga excessivamente, logo alguns sintomas dão sinal: frustrado e desmotivado, o jogador fragiliza-se e torna-se alvo de lesões ou dores nos tendões. Ao ver-se imobilizado por causa de dores, operações ou fraturas, o jogador atravessa então momentos muito difíceis que adiam o seu regresso aos relvados. Como manter intactas a motivação, a força de vontade e a confiança nas suas capacidades?

Se for vivido de forma muito intensa, o sentimento de desvalorização e de frustração pode traduzir-se fisicamente por uma descalcificação. Com efeito, quando os conflitos de desvalorização são vividos a par de um sentimento de inutilidade, o Sistema Osteo-tendinoso e muscular pode sofrer alterações.

Imagino que o leitor estará agora a perguntar:

Por que razão as desvalorizações atingem este sistema e não outro, por exemplo, o sistema digestivo ou o sistema respiratório?

Para respondermos a esta questão, coloquemos uma outra: O que é primordial na atividade desportiva?

Para além da respiração e da alimentação, o mais importante é o movimento, a capacidade de mexer;

O que faculta a realização do movimento? A estrutura, constituída de ossos, de articulações, com tendões e músculos.

Temos, assim, uma primeira resposta: o sentimento de desvalorização derivado da inactividade, da expulsão da equipa, da incapacidade ou proibição de jogar, da substituição injusta, da obrigação de ficar no banco, dum castigo, etc., acaba por se manifestar no aparelho locomotor, afectando, prioritariamente, as articulações dos membros inferiores da anca aos pés, incluindo o joelho.

 

3. Dentro e fora do campo

O caso de J.P.Papin é muito comum no meio desportivo, em que são solicitadas performances de alto nível competitivo.

É preciso, no entanto, sublinhar uma ideia fundamental: o sentimento de desvalorização não é um banal sentimento de frustração. Trata-se de um sentimento muito mais forte. A pessoa sente-se profundamente obcecada por ele, incapaz de se distanciar, incapaz de se abstrair do problema, mergulhando, assim, num estado dramático de stress agudo, que lhe altera as funções orgânicas, o sono e o apetite.

Mas no caso de J.P.Papin, como com a maioria dos jogadores, os problemas não são apenas o resultado de dificuldades vividas no campo, mas, também, fora do espaço profissional. Foi o que aconteceu com este jogador francês, cujo drama familiar, vivido pouco antes dos seus problemas de saúde, teve certamente uma influência no final menos feliz da sua carreira desportiva.

Com efeito, antes do aparecimento dos sintomas, J.P.Papin começou a dar sinais de desmotivação. Não era a mesma pessoa no relvado; algo tinha mudado, de facto.

O que aconteceu?

Nessa altura precisa nasceu uma filha com uma paralisia cerebral. A luta pela sobrevivência e cura da filha fez passar a sua carreira para segundo plano. Imaginamos, naturalmente, a confusão de sentimentos e emoções (da impotência e revolta à culpa) que o derrotaram.

Qual o sentido, então, de correr atrás da fama e da glória quando a sua própria filha não é capaz de andar?

Em 1996 J.P. Papin criou a Associação “Nove de corações” (o número da sua camisola era o 9), associação que ajuda as famílias de crianças com problemas motores (paralisia cerebral).

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