Qual a razão deste livro?
A resposta não podia ser mais simples: fazendo o balanço de mais de vinte anos de prática terapêutica e de troca de experiência com colegas, verifico que o número de pessoas perturbadas ou mesmo destruídas depois de ouvirem um diagnóstico não para de crescer. O contingente de pessoas que receia as consultas, os resultados das análises, dos exames e que vai angustiado à consulta médica tem vindo a aumentar significativamente. É cada vez maior a apreensão quando se aproxima uma visita de rotina e o número de pessoas que adia a consulta marcada é bastante significativo. O que aconteceu para se ter chegado a esta situação? Por que razão é cada vez mais escasso o número de pessoas que consulta o médico na esperança de obter conselhos capazes de proporcionar alívio e consolo? O que levou a calma e a confiança darem lugar ao pânico e à desconfiança quando se avizinha uma consulta médica?
Esta situação decorre, em parte, de um ambiente psicológico generalizado que favorece aquilo que eu designo de SOCIEDADE DO DIAGNÓSTICO: programas de rádio, de televisão, artigos na imprensa, ginásios, gabinetes de estética, lojas de produtos naturais, amigos, vizinhos e família, de manhã à noite jorram de todo o lado diagnósticos a propósito de tudo e de nada. Por detrás desta verborreia insinua-se e induz-se um permanente sentimento de medo e de pânico e não é por acaso que constato, nos últimos anos, um número alarmante de pessoas a sofrer crises de ansiedade. Depois do futebol, não há hoje assunto que reúna mais adeptos à volta de uma mesa em debates acalorados. Mesmo aquelas ninharias a que ninguém prestava grande atenção, hoje são alvo de discussão sobre a melhor vacina, o melhor tratamento, o melhor médico. Sinal revelador dos tempos e da sociedade em que vivemos, descrito de forma acutilante pela escritora Agustina Bessa Luís: a importância que a doença toma na vida de uma sociedade e das pessoas é uma forma de terror que lhes é imposta, que as pessoas compreendem bem e que acabam por incorporar profundamente. As pessoas, hoje, vivem oitenta por cento da sua vida em torno da doença. Dentro de poucos anos o mundo será um imenso hospital sem possibilidades de atendimento, sem recursos para ser gerido convenientemente. As pessoas, aprendendo o medo como uma lei social, vão dedicar-se à doença como não se dedicam aos amigos e aos parentes (Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Ed.).
E porque o mundo corre realmente o perigo de se transformar num grande e gigantesco hospital, este livro procura chamar a atenção para os perigos desta transformação.
Não se trata, claro, de um problema novo e já no meu primeiro livro, Estarei mesmo doente, publicado em 1999, dedico o capítulo intitulado Medo e perigo de certos diagnósticos a este tema, àquilo que eu designo de Conflito do diagnóstico. Neste livro analisei em detalhe o impacto destrutivo e perturbador de certos diagnósticos, quer a nível cerebral, psicológico, quer a nível orgânico.
Este livro surge, também, de uma longa conversa com o filho de um paciente, que encontrei numa viagem de comboio entre Braga e Lisboa, uma conversa que se prolongou num jantar, em Lisboa. Uns dias depois decidi anotar as ideias principais da conversa, desenvolvendo apenas um pouco mais alguns pontos e daqui resultou este pequeno livro. Transcrevi, quase na íntegra, as questões que me foram colocadas e isto explica a forma de diálogo deste livro.